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Orlando Senna destaca CINEfoot

Orlando Senna destaca CINEfoot

Futebol e cinema

Por Orlando Senna
Publicado originalmente  no site Refletor

A quinta edição do CINEfoot está em cartaz neste período pré-Copa no Rio de Janeiro (exibições encerradas esta semana), São Paulo (até 3 de junho), Belo Horizonte (até 4 de junho). São 79 filmes, o maior número desde que o festival de filmes sobre futebol foi criado em 2010 pelo pesquisador cinematográfico Antonio Leal. O número de obras vem crescendo ano a ano e reflete, segundo Leal, o progressivo aumento de produções sobre o tema a partir de 2000. Nos primeiros anos do século XXI foram realizados três vezes mais filmes sobre o esporte das multidõe s do que durante todo o século passado.

Nas mostras competitivas estão 38 filmes, sendo 24 do Brasil, um dos países onde a evolução da cineprodução futebolística é mais acentuada. No século XX os boleiros, como eu, sentiam falta desses filmes, escassez que fortaleceu o culto a documentários excepcionais como Garrincha, alegria do povo e Subterrâneos do futebol, dos anos 1960, de Joaquim Pedro de Andrade e Maurice Capovilla. O primeiro filme brasileiro de ficção sobre o assunto que vi foi O craque, 1953, de José Carlos Burle. Também me lembro de O preço da vitória, de Oswaldo Sampaio, focado na conquista brasileira na Copa de 1958 na Suécia e contando a vida difícil de um dos jogadores campeões.

Nas décadas 1960 e 1970 o futebol estava presente nas telas de cinema, toda semana, no cinejornal Canal 100, de Carlos Niemeyer, com belas imagens, câmera lenta, detalhes, som das torcidas e narrativa dramática. Muita gente pagava a entrada só para ver o cinejornal, até hoje cultuado como um marco no jornalismo esportivo. Em 1974 Oswaldo Caldeira realizou dois documentários referenciais: Passe livre, sobre a rebeldia do jogador Afonsinho e relações trabalhistas no futebol, e Futebol total, produzido pelo Canal 100 e visto por mais de dois milhões de pessoas.

Na década 1980, depois do êxito internacional de Fuga para a vitória (Escape to victory) de John Huston, com Pelé e Silvester Stallone, o cinema brasileiro abriu mais os olhos para o tema. São dessa década Asa Branca – Um sonho brasileiro de Djalma Limongi Batista e Os Trapalhões e o Rei do Futebol, onde Pelé volta a atuar. Dos anos 1990 me lembro de Uma aventura do Zico, de Antonio Carlos Fontoura, e Boleiros – Era uma vez o futebol, de Ugo Giorgetti. E, claro, Todos os corações do mundo, de Murilo Salles, o mais belo filme oficial de Copas já realizado.

Mas, como pontua Leal, é no começo do século XXI que se multiplicam os documentários (Pelé eterno de Anibal Massaini Júnior é o mais exitoso) e também as ficções, com filmes de qualidade como O casamento de Romeu e Julieta de Bruno Barreto, O ano em que meus pais saíram de férias de Cao Hamburger, Linha de passe de Walter Salles, Heleno de José Henrique Fonseca. Na programação do CINEfoot recomendo o documentário Democracia em preto e branco, de Pedro Asbeg, sobr e a Democracia Corinthiana liderada por Sócrates, futebol e política.

Na América hispânica, a Argentina é pródiga sobre o tema desde a década 1930 e com grandes diretores, como Leopoldo Torres Ríos e Torre Nilsson nos dramas Pelota de trapo, 1948, e El hijo del crack, 1960. Até o comovente El camino de San Diego, 2006, de Carlos Sorín, e a animação Um time show de bola (Metegol), de Juan José Campanella, 2013, um time de futebol totó, de bonecos, que ganha vida. Muitos documentários, incluindo o hit Maradona by Kusturica, 2008. Do Chile destaque para as paixões narradas em Historias de fútbol de Andrés Wood, 1997. O Uruguai lançou em 2012 El ingeniero, de Diego Arsuaga, os segredos de um fictício técnico da seleção, e no ano passado o documentário Maracaná la película, de Sebastián Bednarik e Andrés Varela, uma versão platina do Maracanazo de 1950. Também a Colômbia deve ser mencionada por Bolaetrapo de Guillermo Iván, lançado este ano, sobre as bolas de pano usadas pelos meninos pobres em todos nossos países.

A cineprodução futebolística também está crescendo nos EUA e na Europa, principalmente na Alemanha, onde algumas obras marcantes apareceram nos últimos anos, como O milagre de Berna (Das Wunder von Bern) de Sönke Wotmann e Lições de um sonho (Der Ganz Grosse Traum) de Sebastian Grobler. Um cenário bem distinto da solidão em que Wim Wenders realizou, em 1972, O medo do goleiro diante do pênalti (Die Angst des Tormanns beim Elfmeter), trama psicoló ;gica envolvendo um goleiro assassino e sua vítima, uma mulher que trabalha em um cinema.

Vi muitos desses títulos nos festivais CINEfoot do Antonio Leal, que promete mostrar uma nova safra de futefilmes em 2015. Uma última informação, bem interessante: o primeiro filme produzido pela Região Autônoma chinesa do Tibete, em 1999, intitulado apenas Copa, de Khyentse Norbu, narra as emoções desordenadas de monges budistas seduzidos pela Copa daquele ano. Pois é, até o espiritualizado, metafísico Tibete.

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