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Bate-bola com Lina Chamie

Bate-bola com Lina Chamie

Confira a entrevista com a diretora Lina Chamie, que acaba de finalizar “Santos – 100 anos de futebol arte”, publicada no site do Museu do Futebol. O documentário sobre o centenário do clube da Vila Belmiro será exibido no CINEfoot 2012 no Rio de Janeiro (27/05) e em São Paulo (31/05). Assista ao trailer aqui.

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No dia 31 de maio, o Museu do Futebol será palco da 3ª edição do CINEfoot, festival que celebra a produção de filmes sobre futebol. E o pontapé inicial das exibições será dado por “Santos – 100 anos de futebol arte”, dirigido por Lina Chamie. E é ela que nossa newsletter ouviu, para fazer o Bate Bola desta edição.

E Lina deixou a emoção fluir, numa conversa empolgada, encerrada com uma sensação vivida por ela dentro do próprio Museu: “No dia 13 de abril, a gente fez a primeira sessão do filme, no Santos. Foi uma das sessões mais importantes da minha vida – todos os jogadores, lá… e, no dia seguinte, 14 de abril, que era o dia exato do centenário, eu levei uma amiga minha, estrangeira, para conhecer o Museu. E vi que uns 80 por cento das pessoas que estavam lá vinham com a camisa do Santos! Crianças, adultos… eu fiquei emocionada, quase chorei.”

Você tem alguma opinião sobre a ascensão da mulher no futebol, um esporte historicamente machista? De certo modo, uma mulher dirigindo um filme sobre esporte não deixa de ser uma ruptura…

Existe, sim, uma maior presença. Mas acho que é sinal dos tempos, há uma presença maior da mulher em todas as áreas. A Marta é um exemplo disso: um país de grandes jogadores, agora, tem uma grande jogadora. Mas isso traz uma outra coisa a ser pensada: mesmo com o time de futebol feminino que o Santos manteve, o futebol feminino continua sendo pouco atrativo. Acho que essa é uma oportunidade que poderia ser aproveitada. É algo para ser pensado. Quem sabe, por CBF, ou qualquer outra entidade do tipo.

Qual a importância de o Brasil ter um festival como o CINEfoot, que valoriza e divulga o cinema sobre futebol?

Maravilhoso, genial. Porque o futebol não é um tema usado constantemente no cinema. No caso brasileiro, a favela é até mais usada do que o futebol. E é bacana ver o que ele pode ter de matéria prima, de força motriz para o cinema. E ver o CINEfoot ligado ao Museu do Futebol é a maior comunhão de bens possível, porque o Museu é um local com uma abordagem moderna, e pode chamar o público, acostumá-lo a ver filmes sobre futebol. O Museu já tem elementos de imagem em movimento, mas o CINEfoot dá a oportunidade de o cinema mostrar uma outra abordagem.

Você é santista. Assistiu a vários jogos do time, desde a infância. Esteve em partidas como a final do Campeonato Paulista de 1973, contra a Portuguesa, no estádio do Morumbi. Lembra-se das sensações que teve ao entrar pela primeira vez num estádio?

É incrível: muita gente me pergunta isso, pelo filme, mas eu realmente não me lembro da primeira vez que eu fui a um estádio. Agora, eu me lembro muito fortemente da sensação que eu tenho quando entro e vejo o gramado. Sei que é um lugar comum, mas me impressiona muito, é fantástico, dá aquela impressão de ser muito verde. E há também a coisa do elo, eu ia muito aos jogos com meu pai, vi Pelé, muitas vezes, ainda quando criança…

“Santos – 100 anos de futebol arte” é um filme que tem como característica a ênfase no papel do torcedor em sua relação com o clube. Houve alguma história que tenha sido contada no filme e mereça destaque? Ou só esse papel do torcedor já é o destaque em si?

A gente decidiu que a estrutura do filme seria contar o fato através da emoção, do torcedor, que tem a vida mudada através do time. Porque até há a possibilidade da gente contar a história do centenário por um viés mais enciclopédico, jornalístico. Mas a emoção traz algo de mais interessante.

Eu não diria que o filme tem um narrador, mas personagens recorrentes. Por exemplo, o [José Roberto] Torero aparece bastante no filme, ou então o Mano Brown, falando com o Cosmo Damião (fundador da Torcida Jovem), ou os vários depoimentos dos torcedores, como um, que fala que o Santos transformou o futebol no mundo…

O Torero até conta uma história linda, que até seria um exemplo, entre várias outras: a de que o primeiro jogo a que ele foi no estádio era a partida de despedida do Pelé. Ele entrou pela primeira vez em um estádio, viu aquele mundo bonito, mas era criança, não sabia que aquele era um jogo histórico. Só foi saber quando já era um santista “feito”. E é uma ocasião triste, a despedida do Pelé. Então, isso mostra que o torcedor sofre, que o time vem junto dele, que aqueles momentos passam.

As histórias são incríveis, dava para fazer um novo filme com elas. E é incrível como várias delas falam do Santos como sendo um símbolo do futebol-arte. É essa coisa da irreverência, das categorias de base, que trazem novos garotos para o time. É uma característica do Santos. E ela é colocada no filme.

A música sempre teve grande importância em sua vida e carreira. Você começou no meio do cinema como projetista, no departamento de cinema da New York University, enquanto cursava música e filosofia, na mesma universidade. Além disso, você teve a carreira de clarinetista. Como você conseguiu colocar a música como um elemento que ajudasse a contar a história do Santos?

Para mim, foi um processo natural. Cinema e música são dois campos que conversam muito bem. Então, a linguagem musical vai avançando ao longo do tempo, como o clube. Por exemplo: na fase dos “Meninos da Vila”, em idos de 1978, a gente coloca os Bee Gees, que são um símbolo da discoteca – havia até aquela coisa de “Santástico – o show da Vila”, que parecia um anúncio, mesmo… daí, no título paulista de 1984, com o gol do Serginho Chulapa, há um depoimento do Rodolfo Rodríguez, lá em Montevidéu, que leva a trilha do Pink Floyd, mais pesada. Já com o Neymar, muda de novo, chega o Prodigy, quando fizeram a trilha de um filme de James Bond…

Outra coisa interessante é uma sequência, batizada de “Corpo a corpo”, que lembra um pouco o Canal 100. Tem aquelas coisas das imagens bem próximas de um jogador. E, à medida que o filme se aproxima do final, com os títulos da Copa Libertadores e do Campeonato Paulista (ambos em 2011), a gente passa a diminuir os depoimentos e dar mais espaço a brincadeiras sonoras. Por exemplo, quando a gente fala com o Neymar, vem um som de raio, para brincar com essa coisa do “raio que cai várias vezes no mesmo lugar”, referente às revelações. Há momentos em que há música clássica, também… é porque o Santos é uma coisa pop, retomando um pouco o conceito de que eu falei, da irreverência. E a gente usa a música, porque jogar com o som também é uma linguagem.

Houve algum filme sobre futebol que tenha lhe cativado na sua vida, seja por essa relação com música, seja por outro motivo?

Filme, em si, não. Eu fico muito emocionada quando vejo o “Garrincha, Alegria do Povo”, do Joaquim Pedro de Andrade, porque aquilo é um símbolo de como um jogador pode dar alegria às pessoas. Mas eu tenho na minha cabeça cenas. E até sinto falta de filmes com futebol, mesmo que sejam num cenário de ficção, porque o futebol faz parte da nossa vida. Mesmo quem não gosta de futebol, conhece futebol. Até surgiu esse mercado para filmes sobre clubes – há o filme do centenário do Corinthians, agora o do Santos, vem aí o do Palmeiras… mas são coisas mais destinadas ao DVD. Eu queria ver uma coisa na tela grande. O Canal 100 era isso, por exemplo: filmava em 35 milímetros, um jogo, no Maracanã, naquele ambiente do cinema… dava um impacto.

O projeto de fazer filmes sobre o Santos não para com “100 anos de futebol-arte”, com mais dois filmes previstos. Pode falar mais sobre eles?

Bem, o segundo filme se chamará “Meninos da Vila”, e será dirigido pela Kátia Lund. Vai falar um pouco sobre essa tradição do Santos em revelar jogadores. Vai até ter um olhar mais social, sobre essa coisa do sonho que um garoto tem de virar jogador de futebol.

E o terceiro filme, que eu volto a dirigir – aliás, já estou começando a me dedicar a ele -, vai se chamar “Santos de todos os gols”. A gente vai pegar esse fato do Santos ser a equipe que mais gols marcou na história do futebol, e vamos valorizar esse momento. Não só ele, mas as variações. Gols perdidos, por exemplo.

O filme deu a “sorte” de ser concluído num momento em que o Santos comemorou dois títulos importantes. Como eles foram valorizados?

Acho que o próprio modo como a gente fez as filmagens fez isso. Trouxemos um olhar diferente, com as câmeras especiais, filmando de perto a torcida, trazendo as imagens de bastidores… teve até um exemplo bacana, que foi quando o Ganso se machucou, na primeira partida da final do Campeonato Paulista de 2011. Foi na minha frente. Pegamos aquele momento. E trouxemos essa coisa de bastidor, uma pegada diferente de uma imagem da televisão, por exemplo.

É a questão do documentário. Dizem que um bom documentário faz você se sentir dentro do acontecimento. A gente não se foca só nisso, mas também nas sensações. Eu só dou uma parada no tempo quando chega a final da Libertadores de 2011, porque, aí, trago de volta 1962 e 1963, pela importância histórica. É uma questão de ecoar aquele momento.

E, aí, voltamos às sensações: quando viajamos a Montevidéu [para a primeira partida da decisão da Copa Libertadores, contra o Peñarol], levamos o Lima e o Mengálvio. E o Lima disse: “É como se eu estivesse num filme que eu já vi.” E, depois, o Neymar fala sobre aquele título, em cima do mesmo Peñarol. É o passado que se torna presente. Alinhavar isso é importante.

 

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